quinta-feira, 3 de setembro de 2009

"Cena de Curitiba se renova sem mudar muitas caras" por Tiago Agostini (27.julho.2009)


É impressionante como o Nevilton conseguiu, sendo apenas um trio, fazer mais barulho do que todas as bandas que passaram neste final de semana pelo palco do 7º Rock de Inverno, em Curitiba. Assim como o The Who ofuscava os Beatles na década de 60 em shows em premiações musicais (o que pode ter contribuído para os Fab Four desistirem de se apresentar ao vivo), o trio de Umuarama, uma “terra sem inverno”, deixou o público de queixo caído na sexta-feira.

A citação do The Who não é gratuita. A primeira comparação que salta aos olhos durante a performance do Nevilton são os pulos do guitarrista e do baixista, além da energia do baterista. Junte isso a um punhado de canções pop e cheias de referências nacionais, apimentadas com o virtuosismo não exibicionista do guitarrista. Eles provam ao vivo o motivo de serem uma das bandas mais badaladas nos últimos tempos na imprensa especializada.

Quem também surpreendeu na noite de sexta foram os locais do Pão de Hambúrguer. Cinco moleques cabeludos, com visível cara de quem acabou de sair da adolescência, executaram um competente hard rock clássico com os dois pés fincados nos anos 70. Misturando a lisergia do Pink Floyd, a atitude do Pearl Jam e a pegada do Black Sabbath, os cinco precisam apenas descobrir que solos de guitarra são legais, mas quando na dose certa. A cover de “Será que eu vou virar bolor”, de Arnaldo Baptista, foi o ponto alto do show.

O Hotel Avenida subiu ao palco com seu folk lírico, inspirado em Ryan Adams e que remete em vários momentos a Lobão. Ao vivo as músicas ganham em intensidade graças à entrega na interpretação do vocalista Giancarlo Ruffato. A música “Eu Não Sou Um Bom Lugar” tem clima e potencial para virar hino dos depressivos. Completaram a escalação da noite o Liquespace, com uma espécie de música tradicionalista gaúcha com peso de rock que não funciona, o 3 Hombres, que demorou um pouco para esquentar o show e fez uma apresentação longa demais, e Diedrich e Os Marlenes, novo projeto de Oneide Diedrich, ex-Pelebrói Não Sei, que deu uma animada na noite fria com seu rockabilly desajeitado e divertido.

Ainda restava o show do brasiliense Beto Só, mas, enfim, eu também sou filho de Deus e o cansaço que batia há cerca de uma hora, graças às poucas horas de sono, acabou vencendo. Reza a lenda que o final do show foi lindo, com vários músicos em cima do palco cantando uma versão de Gloria, de Van Morrison.

O sábado prometia ser o grande dia do festival, principalmente pelo show de comemoração dos 25 anos do Fellini, lenda da cena independente brasileira. A apresentação de Cadão Volpato, Thomas Pappon, Jair Marcos, Ricardo Salvagni e o baterista convidado Clayton Martin foi uma legítima celebração. A banda provou que, mesmo separada há um bom tempo, não perdeu a presença de palco e foi a única a fazer bis no festival.

Mas quem roubou a cena mesmo foi a banda de abertura da noite, Heitor e Banda Gentileza. Com um som límpido e muito bem equalizado, o grupo destilou seu lirismo meio brega com muitos sorrisos nos rostos. Junte música caipira romântica, bandinhas alemãs, Los Hermanos e Cake e você estará perto do som da banda. Aliás, ver o HBG no palco é uma das provas de como o LH é a banda mais importante da década no Brasil. Sem eles, certamente a banda curitibana não existiria. Com disco recém-gravado e produzido por Plínio Profeta, Heitor e Banda Gentileza aparecem como uma das promessas do cenário independente.

Koti e os Penitentes fez o que se pode chamar de um show “diferente”. Com megafone no lugar do microfone, um tambor enorme, baixo sem um captador e até tábua de lavar roupa, a banda prendeu a atenção pela entrega em cima do palco. Cantando sobre fatos do cotidiano como a vida de um mendigo e de um alcoólatra, ele foi um dos destaques do festival. O Mordida fez um show competente e divertido, com um power pop grudento e assobiável. Já o Ruído/mm apresentou seu rock instrumental lisérgico e o Je Rêve de Toi não empolgou com seu rock eletrônico moderninho demais. O clima acústico da última banda, a boa Les Tics, estava calmo demais e pouco convidativo, mas competente.

Ao final, um festival que rendeu boas apresentações e provou que a música de Curitiba e do Paraná passa por uma renovação bem interessante de valores, mesmo sem trocar alguns protagonistas (não era difícil encontrar membros de bandas que recém acabaram tocando no festival). Um alento para uma das cenas mais férteis do Brasil, mas que ainda precisa de muita organização para vingar. Um bom festival como o Rock de Inverno, se repetido todos os anos, pode ser um bom início para essa consolidação.
(Fotos: Nevilton, Fellini, Heitor e Banda Gentileza - crédito Marcelo Stammer)

fonte: http://colunistas.ig.com.br/tiagoagostini/2009/07/27/cena-de-curitiba-se-renova-sem-mudar-muitas-caras/

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